A Linha Tênue entre Relacionamento e Aprisionamento


Qual tipo de relacionamento você busca para você? Nenhuma relação amorosa é igual a outra e, afinal das contas, quem dita as regras do relacionamento é o próprio casal. Então faço esse questionamento porque tenho observado ao meu redor que, de uma maneira geral, há dois tipos de parcerias: as que libertam e as que aprisionam.
Acredito que namoros ou qualquer tipo de relacionamento que seja, só funciona quando nos acrescentam algo, nos fazem crescer. O relacionamento é uma chance em conjunto de buscar felicidade e prazer todos os dias. E para isso é necessário altruísmo, é preciso que você pense no outro, que se coloque no lugar dele para antever reações e saber qual é a melhor maneira de lidar com determinadas situações. Mas estar em um relacionamento nada tem a ver com abdicar de sua liberdade individual.
Já convivi com casais que, por morarem em cidades diferentes, não permitiam que um saísse sem o outro. Ou que viviam aqueles casos de ciúme incontrolável em que olhar para o lado era motivo de briga. Também acompanhei o típico casal perfeito que se acha tão perfeito que acaba fechando-se no seu próprio mundinho. Um fala pelo outro, um vive pelo outro, o “nós” substitui o “eu” nessa simbiose louca que não sente a necessidade de mais ninguém para a vida fazer sentido.


Para viver esse tipo de relação eu declaro que não quero mais ter um namorado. Não quero ter que abdicar de mim mesma para estar em um relacionamento. Eu quero um cúmplice. Alguém que divida comigo o meu lençol e as minhas loucuras. Alguém que não vai olhar feio quando eu pedir outra dose, mas vai encher meu copo. Alguém que entenda que eu preciso ficar sozinha às vezes, mas que me escute quando eu pedir ajuda. Alguém que compreenda que eu preciso conversar com outras pessoas, que eu quero sair sozinha (seja com amigos ou amigas) e que sim: eu vou sentir tesão por outro cara, mas isso não significa que eu não te ame mais (da mesma forma como eu vou entender quando você virar o pescoço para aquela gostosa que atravessar a rua).
Amar não é somar qualidades. Amar é subtrair defeitos e não liberdades. É mostrar sua parte mais suja, mais obscura, mais subversiva e ser aceita por isso (e não apesar disso). Amar é sentir-se segura o suficiente para viver e deixar viver. Amar é acima de tudo confiar.
Apropriando-me das palavras de John Lennon: “Amo a liberdade, por isso deixo as coisas que amo livres. Se elas voltarem é porque as conquistei. Se não voltarem é porque nunca as possuí”. Eu quero um relacionamento em que a confiança seja a força motriz.

Era Bonito



Era bonito. E era amizade, cumplicidade, sinceridade, companheirismo, olho no olho, mão na mão, sua vida na minha e minha vida na sua. Era um jeito de me importar sem obrigação. E ver você se importar comigo sem cobranças. Era bonito. Disso nunca tive nem dúvida. Agora, enquanto você arruma suas coisas e não me dói, eu vejo todas as esquinas do nosso caminho. A gente se desviou antes mesmo de se encontrar. E, no meio da estrada, quem roubou meu coração não foi você. Seu coração também nunca foi meu. Mas era bonito. De verdade, sabe? Por mais que ninguém nunca tenha entendido.
Você é uma dessas pessoas que entram na nossa vida uma única vez. Aparecem aqui, causam um alvoroço, nos ensinam a olhar a vida de uma maneira diferente e depois se vão. Têm outros caminhos para percorrer. Eu também vou para o outro lado. A gente não poderia mesmo ficar junto. Faltaria sempre alguma coisa. Um frio na barriga. Um coração acelerado. Um arrepio frio. Sempre existiria aquela vozinha chata: você sabe, não é ele. Não era você. Não fui eu também.
Porque era bonito, mas não era amor. Não era.

Sou

Me dispo  de uma capa fina que  uso há muito para barrar todo o mal que posteriormente viria contra mim. Engano meu! Hoje percebi que não há vestimentas  que segurem as más línguas, nem os maus corações.

Passei um bom tempo construindo em mim uma prisão onde me largava por lá na maioria das vezes...  Não percebia que me prender ali não me fazia melhor pra ninguém. E de anjo, virei humana.
Talvez seja estranho dizer assim, de cara, sem papos na língua, sem engasgos ou tropeços. Mas só deixando/perdendo um amor que fui perceber que não preciso, não mereço e não sou um rótulo bonitinho. Infelizmente gastei muita energia tentando provar minha índole, meu caráter e o meu amor. 
Da solidão a dois à liberdade solitária, não vou mais provar minha lealdade, sinceridade e caráter.  Hoje vou me permitir a ser. Santa, puta, anjo, louca. Não importa mais o rótulo! Hoje apenas sou. 

Recordação


'Não faz sentido, pra que que a pessoa quer gravar as coisas que não são da vida dela e as coisas que são, não?'
 
 
Hoje a gente ia fazer 25 anos de casado", ele disse, me olhando pelo retrovisor. Fiquei sem reação: tinha pegado o táxi na Nove de Julho, o trânsito estava ruim, levamos meia hora para percorrer a Faria Lima e chegar à rua dos Pinheiros, tudo no mais asséptico silêncio, aí, então, ele me encara pelo espelhinho e, como se fosse a continuação de uma longa conversa, solta essa: "Hoje a gente ia fazer 25 anos de casado".
Meu espanto, contudo, não durou muito, pois ele logo emendou: "Nunca vou esquecer: 1º de junho de 1988. A gente se conheceu num barzinho, lá em Santos, e dali pra frente nunca ficou um dia sem se falar! Até que cinco anos atrás... Fazer o que, né? Se Deus quis assim...".
Houve um breve silêncio, enquanto ultrapassávamos um caminhão de lixo e consegui encaixar um "Sinto muito". "Obrigado. No começo foi complicado, agora tô me acostumando. Mas sabe que que é mais difícil? Não ter foto dela." "Cê não tem nenhuma?" "Não, tenho foto, sim, eu até fiz um álbum, mas não tem foto dela fazendo as coisas dela, entendeu? Que nem: tem ela no casamento da nossa mais velha, toda arrumada. Mas ela não era daquele jeito, com penteado, com vestido. Sabe o jeito que eu mais lembro dela? De avental. Só que toda vez que tinha almoço lá em casa, festa e alguém aparecia com uma câmera na cozinha, ela tirava correndo o avental, ia arrumar o cabelo, até ficar de um jeito que não era ela. Tenho pensado muito nisso aí, das fotos, falo com os passageiros e tal e descobri que é assim, é do ser humano, mesmo. A pessoa, olha só, a pessoa trabalha todo dia numa firma, vamos dizer, todo dia ela vai lá e nunca tira uma foto da portaria, do bebedor, do banheiro, desses lugares que ela fica o tempo inteiro. Aí, num fim de semana ela vai pra uma praia qualquer, leva a câmera, o celular e tchuf, tchuf, tchuf. Não faz sentido, pra que que a pessoa quer gravar as coisas que não são da vida dela e as coisas que são, não? Tá acompanhando? Não tenho uma foto da minha esposa no sofá, assistindo novela, mas tem uma dela no jet ski do meu cunhado, lá na Guarapiranga. Entro aqui na Joaquim?" "Isso."
"Ano passado me deu uma agonia, uma saudade, peguei o álbum, só tinha aqueles retratos de casório, de viagem, do jet ski, sabe o que eu fiz? Fui pra Santos. Sei lá, quis voltar naquele bar." "E aí?!" "Aí que o bar tinha fechado em 94, mas o proprietário, um senhor de idade, ainda morava no imóvel. Eu expliquei a minha história, ele falou: Entra'. Foi lá num armário, trouxe uma caixa de sapatos e disse: É tudo foto do bar, pode escolher uma, leva de recordação'."
Paramos num farol. Ele tirou a carteira do bolso, pegou a foto e me deu: umas 50 pessoas pelas mesas, mais umas tantas no balcão. "Olha a data aí no cantinho, embaixo." "1º de junho de 1988?" "Pois é. Quando eu peguei essa foto e vi a data, nem acreditei, corri o olho pelas mesas, vendo se achava nós aí no meio, mas não. Todo dia eu olho essa foto e fico danado, pensando: será que a gente ainda vai chegar ou será que a gente já foi embora? Vou morrer com essa dúvida. De qualquer forma, taí o testemunho: foi nesse lugar, nesse dia, tá fazendo 25 anos, hoje. Ali do lado da banca, tá bom pra você?"

O Que Você Nunca Vai Saber



Não pretendo te contar sobre minhas lutas mentais. Você terá nas mãos minha simplicidade e minha leveza, que podem não ser totalmente verdadeiras, mas foram criadas com muito carinho pra não assustar pessoas como você. Não vou ficar falando sobre a complexidade dos meus pensamentos, minha dualidade ou minhas dúvidas sobre qualquer sentimento do mundo. Vou te deixar com a melhor parte, porque eu sei que você merece. Guardo pra mim as crises de identidade e a vontade de sumir. Não vou dissertar sobre minhas fragilidades e minhas inseguranças. Talvez eu te diga algumas vezes sobre minha tristeza, mas só pra ganhar um pouquinho mais de carinho. Ofereço meu bom humor e minha paciência e você deve saber que esta não é uma oferta muito comum.
Se você tivesse chegado antes, eu não teria notado. Se demorasse um pouco mais, eu não teria esperado. Você anda acertando muita coisa, mesmo sem perceber. Você tem me ganhado nos detalhes e aposto que nem desconfia. Mas já que você chegou no momento certo, vou te pedir que fique. Mesmo que o futuro seja de incertezas, mesmo que não haja nada duradouro prescrito pra gente. Esse é um pedido egoísta, porque na verdade eu sei que se nada der realmente certo, vou ficar sem chão. Mas por outro lado, posso te fazer feliz também. É um risco. Eu pulo, se você me der a mão.
Você não precisa saber que eu choro porque me sinto pequena num mundo gigante. Nem que eu faço coisas estúpidas quando estou carente. Você nunca vai saber da minha mania de me expor em palavras, que eu escrevo o tempo todo, em qualquer lugar. Muito menos que eu estou escrevendo sobre você neste exato momento. E não pense que é falta de consideração eu dividir tanto de mim com tanta gente e excluir você dessa minha segunda vida, porque há duas maneiras de saber o que eu não digo sobre mim: lendo nas entrelinhas dos meus textos e olhando nos meus olhos. E a segunda opção ninguém mais tem.