Hoje ele veio me falar das flores. Das flores, do jardim, das
estações, do rio que corria em sua vida, do medo. Hoje ele veio me falar de
expectativas. Dessas que a gente sufoca o outro sem ver, miudinhas, rotineiras,
demasiadamente fantasiosas. Pensei no mundo, nos outros, pensei em mim.
Lembrei-me de todos os meus sonhos de adolescente e quantos
deles já tinham ficado para trás simplesmente porque existiam expectativas
demais, fundamentadas em realidade de menos. Pensei em quantas vezes sufoquei
um relacionamento por esperar demais do futuro, em quantas pessoas perdi por
esse caminho por simplesmente não ter a leveza necessária para deixar o rio da
vida correr por si só. A dura verdade é que num mundo onde amar virou sinônimo de
coragem, a gente por vezes tem um pouco de ansiedade com o amanhã. Ou a grande
palavra do momento: pressa. A gente tem medo de acabar a tia solteirona na festa de
aniversário do filho da melhor amiga, ou de passar a vida inteira sem conhecer
prazeres como decorar o quarto do casal ou escolher o primeiro sapatinho do
bebê. Ainda mais atemorizante, a gente tem medo de acabar só no deleite de
nossa própria companhia, o que implicaria em liberar do armário escuro e
sombrio todos os nossos monstros particulares que tanto relutamos em esconder.
A consequência de tanta pressa são casamentos precipitados, relacionamentos
forçados, rompimentos precoces e amores que são causa ao invés de serem efeito.
Em outras
palavras, o resultado se configura em expectativas demais, derramadas súbita e
integralmente em cima de pessoas que, naquele momento, podem não estar
preparadas para corresponder. Reticências pontuando frases que mereciam boas
vírgulas e um ponto final.

Pensei em caminhos, descaminhos, escolhas. Pensei em quantas
vezes culpamos o destino, o universo, Murphy e o karma por uma realidade
diferente da que a gente esperava. Em quantos milhões de desculpas arrumamos
para o comportamento divergente do outro e para tantas atitudes (ou falta
delas) para silenciar a dor e a ansiedade que alimentamos em silêncio. Queremos encontrar culpados
para um crime que nós mesmos cometemos: a pressa de uma escolha. Nem karma, nem Murphy, nem
uma força maior somada a um infortúnio de coincidências. Nós escolhemos estar
ali e queremos que o outro faça essa mesma escolha em um tempo que na verdade é
inteiramente nosso.
Clichê, mas a vida é mesmo um grande rio sinuoso, em constante
movimento. Nós, somos apenas bons navegantes que temos a sorte de poder
escolher a direção, a velocidade e a bagagem que levaremos pelo caminho, que
nos instiga a correr o risco do inesperado correnteza afora, ou nos intimida
através do medo, limitando nossa trajetória ás margens próximas onde
supostamente existe segurança. Se arriscar, significa aceitar o que o rio tem a
oferecer de peito aberto, com a consciência tranquila que nada que a correnteza
traz é ao acaso. É acima de tudo, saber respeitar os momentos de cheia e seca
que a natureza impõe, sabendo que tudo na vida são fases, com estações
passageiras feitas para o corpo d’água se recompor e seguir inteiro, sem
fragmentos de viagens passadas, pronto para novas turbulências.
Hoje ele veio me falar de perspectivas. Aquilo que a gente
inventa, sem deixar que simplesmente seja. Pensei no tamanho e na fluidez da
bagagem que muitas vezes levamos no nosso pequenino barquinho, na “malinha”
cheia de expectativas, frustrações e dores de amores mal curados. Cacos e peças desconexas que
não fazem mais parte do quebra cabeça do presente e que deveríamos ter deixado
para trás, liberando espaço para uma bagagem, de fato, enriquecedora. Afinal de contas bagagem que
guarda tristeza e sofrimento, pesa e a gente só abre pra quem demonstra
reciprocidade. Quanto mais leve a mala, mais fluido o barco desliza pelo rio.
Calmo, natural, como tem que ser.
Penso sobre passado, presente e futuro. Penso sobre amor e toda
sua eternidade no breve espaço de um segundo. E finalmente entendi, que
expectativa gera frustração sim, apenas quando depositada sobre ombros
despreparados. Preparo exige calma e tempo. Construir vontades também. Porque
ir devagar, na maioria das vezes é muito mais rápido.
Sentada ali no parapeito da janela, vendo o sol deixar esse lado
do mundo para poder iluminar os dias daqueles que estão tão distantes,
observando os carros passando velozes pela rua, os passarinhos buscando seus
ninhos, me dei conta de que no fundo eu e o resto do mundo só queremos um lugar pra
voltar.
Hoje ele veio me falar do medo. E eu, sem nenhuma expectativa,
falei pra ele de amor. Fluimos. Com a leveza de um agora vivido sem pressa
nenhuma.
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