Tá frio. Tá chovendo. O café está no fim. Preciso de um livro, de uma
esposa, de um jogo na TV ou amendoins torrados vestidos naquele cone
amarelo. Ela diz que não gosta de café, de jogos, nem de amendoins. Mas,
sorrindo, deixa no ar que precisa de um marido.
Ouço Bruce Springsteen e procuro escrever algo legal para curar esse
tempo. 15h30 e a inspiração vêm com ventos gélidos e buzinas de taxis
cariocas.
Ela senta ao meu lado. Fala algo interrompendo minha escrita. Eu a
olho e, em silêncio, ela já percebe que deve estar em silêncio também.
Sorri novamente, tenta ler meus garranchos e me pede para descrevê-la de
uma forma bonita. Eu rio. Ela – morena com olhos redondos – sente
ciúmes dos meus textos sobre loiras e olhos pequenos. Diz que tem
alergia à minha barba e me pede para fazê-la se eu quiser beijá-la. Eu
respondo, sarcasticamente, que ela fica linda com o queixo avermelhado
por meus pêlos faciais. Ela ri e me dá um tapa no ombro esquerdo.

Volto a escrever. Ela se levanta e passeia pela casa com meu antigo
short de futebol e com meu casaco listrado. Busca algo na geladeira e
encontra água. Pergunta se tem algum suco, mas eu não respondo. Procura
algo para comer e encontra uma pizza de calabresa de sábado. Ela
pergunta se há alguma outra coisa, mas eu não respondo.
Ela volta à sala e, antes de falar, me olha e pára ao me ver
concentrado na escrita. Barba mal feita, óculos e uma calça velha que
ela adora quando eu visto. Sem ela perceber, vejo-a me olhando com um
par de olhos brilhantes e um sorriso de canto de boca. Lembro dela falar
que fico sexy quando estou concentrado e, então, perco a concentração.
Olho-a e pergunto se falou alguma coisa. Ela diz que não. E continua
me olhando. Eu a fito os olhos e largo a caneta. Ela me pergunta se eu
acabei. Eu digo que não. Levanto-me e, sorrindo, pergunto se ela quer
casar comigo. Ela não acredita, mas aceita. Mas diz que eu preciso
caprichar no pedido e que quer presentes especiais para o matrimônio.
Nos beijamos.
Acendo um incenso e já não quero mais escrever. Quero ficar ali,
tirando fotos dela com a mente enquanto nosso casamento acontece. 12°
andar, pisos de madeira e uma janela aberta. Nossa igreja de nós, tendo a
ilustre presença de Bukowski, Pessoa, Rimbaud, Thoreau, Fante, Kerouac ,
entre tantos outros como testemunhas e convidados da nossa união. Nos
beijamos e acertamos que até a morte nos separe. Ou até a gente não rir
mais um do outro. Ou até a família dela intervir. Ou até a minha ex me
balançar mais do que a ponte em dias de temporal. Ou até eu deixar de
fazer a barba. E nos beijamos novamente como votos perfeitos de uma
aliança sem planos.
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